DIAGNÓSTICO INSTITUCIONAL E LIDERANÇA: FUNDAMENTOS, PRÁTICAS E DESAFIOS PARA ESCOLAS QUE APRENDEM

José Ricardo Mole • 28 de outubro de 2025

“O diagnóstico não é um relatório. É um espelho para que a instituição se reconheça, aceite suas contradições e se prepare para mudar.” (ARROYO, 2004, p. 17).

1. Introdução


A gestão educacional contemporânea se vê tensionada por um conjunto de paradoxos: de um lado, as pressões externas por resultados mensuráveis e comparáveis; de outro, as expectativas sociais de inclusão, equidade e inovação pedagógica. Some-se a isso a necessidade de garantir sustentabilidade institucional e competitividade em um ecossistema educacional cada vez mais concentrado, no qual grandes redes absorvem escolas menores, impondo novos padrões de governança e qualidade.


Nesse contexto, o diagnóstico institucional se consolida como um instrumento estratégico de gestão e de aprendizagem organizacional. Mais do que um procedimento técnico, trata-se de um processo que convoca reflexão crítica, diálogo entre atores e tomada de decisão orientada por evidências.


Como observa Dias Sobrinho (2020), a avaliação institucional deve ser compreendida como prática social que articula 'conhecimento, política e ética', rompendo com o caráter burocrático que muitas vezes marca os processos avaliativos. Entretanto, o diagnóstico só adquire sentido transformador quando está associado a uma liderança educacional mobilizadora, capaz de converter dados em sentidos, resultados em ações e fragilidades em aprendizado coletivo. Sem esse tipo de liderança, o diagnóstico corre o risco de permanecer como mera fotografia estática da realidade

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2. Fundamentos do diagnóstico institucional


O diagnóstico institucional se estrutura em três dimensões interdependentes: técnica, política e pedagógica.


A dimensão técnica assegura a coleta sistemática de dados; a política, a legitimidade do processo e o engajamento dos sujeitos; e a pedagógica, a ressignificação dos achados para o aprimoramento da prática educativa (LIMA; LIMA, 2021).


Além de basear-se em indicadores e análises quantitativas, o diagnóstico eficaz articula-se com abordagens contemporâneas de gestão:


  • Gestão por processos: a visão de Hammer e Stanton (2020), por sua vez, reforça que a eficiência institucional decorre da clareza dos fluxos e da definição de responsabilidades.
  • Avaliação participativa: para Lima e Lima (2021), a inclusão de múltiplas vozes no processo avaliativo é o que garante legitimidade e sentido coletivo.
  • Gestão da mudança: Kotter (2017) argumenta que qualquer transformação sustentável requer liderança capaz de comunicar propósito e gerar compromisso.


Em síntese, diagnosticar é um ato de gestão, mas também um ato pedagógico e político. É o ponto de partida de um ciclo virtuoso de melhoria contínua: diagnosticar → planejar → agir → avaliar → replanejar.


3. Liderança e diagnóstico: uma relação de interdependência


O papel da liderança no diagnóstico institucional é central e multifacetado. Três perspectivas contemporâneas ajudam a compreender essa relação:


3.1 Liderança pedagógica


Fullan e Quinn (2020) defendem que líderes eficazes "constroem coerência, focam no pedagógico e garantem capacidade de execução". O diagnóstico, nessa perspectiva, é um dispositivo de reflexão sobre o ensino e a aprendizagem. Torna-se um espelho que evidencia a coerência entre o projeto pedagógico e as práticas cotidianas.


3.2 Liderança distribuída


Harris e Jones (2020) propõem uma liderança compartilhada, na qual professores, coordenadores, técnicos e até estudantes assumem papéis ativos. O diagnóstico, assim, deixa de ser tarefa exclusiva da gestão e se torna uma experiência coletiva de leitura institucional, ampliando legitimidade e comprometimento.


3.3 Liderança adaptativa


Heifetz e Linsky (2017) definem liderança adaptativa como a capacidade de mobilizar pessoas para enfrentar desafios sem respostas prontas. No âmbito escolar, isso significa transformar tensões, como evasão, queda de desempenho ou conflitos de equipe, em oportunidades de aprendizagem institucional.


3.4 Liderança ética e uso de dados


Souza e Machado (2021) advertem que a qualidade da decisão pedagógica depende da interpretação contextualizada dos números. Cabe à liderança assegurar que os dados sirvam à emancipação e não ao controle.


4. Metodologia e práticas de liderança no diagnóstico


Um diagnóstico institucional robusto requer rigor metodológico, escuta ativa e uma liderança que sustente a ética do processo.


Quatro etapas se destacam:


1. Análise documental: leitura crítica do PPP, regimento e planos estratégicos.

2. Escuta ativa: entrevistas, grupos focais e observações com confiança e anonimato.

3. Leitura de indicadores: interpretação de dados de presença, evasão e desempenho.

4. Devolutiva técnica e sensível: apresentação transparente dos achados.


5. Resultados e boas práticas


Diversas redes escolares brasileiras têm implementado diagnósticos participativos com resultados expressivos.


Em 2022, uma rede de escolas comunitárias no sul do país identificou que a principal causa da evasão não era pedagógica, mas logística. O transporte escolar irregular. A partir dessa constatação, a liderança articulou políticas públicas com o município, reduzindo a evasão em 18% em um ano.

Isso mostra que dados devem alimentar a estratégia, que por sua vez, só se operacionaliza se tiver no papel, isto é, no planejamento e contar com uma liderança preparada que, de fato, seja como locomotiva para conduzir toda a comunidade educativa.


Dados sem estratégia que não se tornam planos de ação, são vazios e inúteis.


6. Desafios e perspectivas


Os desafios contemporâneos são inúmeros: equilibrar accountability e emancipação; lidar com a sobrecarga de dados; fortalecer lideranças capazes de interpretar contextos complexos; e investir em consultorias especializadas, como a JRM Consultoria, que alia rigor metodológico à mediação sensível de percepções internas.


7. Conclusão


O diagnóstico institucional é mais do que uma ferramenta de gestão: é uma pedagogia da escuta e da transformação. Lideranças éticas, adaptativas e pedagógicas são o elo que transforma diagnóstico em ação.


Em última instância, diagnóstico sem liderança é fotografia; diagnóstico com liderança é transformação, planejamento e execução.


Referências


ARROYO, Miguel. Ofício de Mestre: imagens e autoimagens. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.


DIAS SOBRINHO, José. Avaliação institucional: participação, qualidade e responsabilidade social. Campinas: Autores Associados, 2020.


FULLAN, Michael; QUINN, Joanne. Coherence: the right drivers in action for schools, districts, and systems. Thousand Oaks: Corwin, 2020.


HAMMER, Michael; STANTON, Steven. Process redesign: the implementation guide for managers. Boston: Harvard Business School Press, 2020.


HARRIS, Alma; JONES, Michelle. Leading and leading together: distributed leadership in schools. London: Routledge, 2020.


HEIFETZ, Ronald; LINSKY, Marty. Liderança no fio da navalha. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.

KOTTER, John. Liderando mudanças: transformando empresas com a força das emoções. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.


LIMA, Maria A.; LIMA, João P. Gestão educacional e avaliação institucional: entre a burocracia e a emancipação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 2, p. 55–70, 2021.


ONU/UNESCO. Relatório de Monitoramento Global da Educação 2022. Paris: UNESCO, 2022.


SOUZA, Cláudia; MACHADO, André. Indicadores educacionais e gestão estratégica: desafios para a escola contemporânea. Educação & Sociedade, v. 42, e234567, 2021.


TEIXEIRA, Ricardo; GHEDIN, Evandro. Planejamento escolar e documentos institucionais: sentidos e contradições. Educação em Revista, v. 38, n. 1, p. 108–124, 2022.


VIEIRA, Carla; HENZ, Celso. Escuta ativa e participação democrática em processos de avaliação escolar. Revista Brasileira de Educação, v. 28, e8309, 2023.

Por JRM CONSULTORIA 15 de novembro de 2025
Introdução Em outubro de 2025, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) aprovou a Resolução nº 29/2025, que define as diretrizes do Prontuário Eletrônico do Sistema Único de Assistência Social (Prontuário SUAS). Publicada no Diário Oficial da União em 16 de outubro, a norma consolida o prontuário como um direito dos usuários do SUAS, articulado diretamente com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, Lei nº 13.709/2018). O prontuário deixa de ser apenas um formulário ou software e passa a ser um registro profissional estruturado, com finalidades claras: apoiar a garantia de direitos socioassistenciais por meio da vigilância socioassistencial, da gestão, da pesquisa e da execução de serviços e benefícios. Ao mesmo tempo, a resolução apresenta sete diretrizes centrais que envolvem integralidade da proteção, integralidade do trabalho social, ampliação de acesso, simplificação dos registros, interoperabilidade, proteção de dados e acesso diferencial por perfil de trabalhador. Do ponto de vista municipal, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) destaca o potencial do Prontuário SUAS como instrumento de qualificação da gestão, mas alerta para a necessidade de atenção às regras e às exigências técnicas e financeiras para implementação. Em diálogo com experiências internacionais de prontuários eletrônicos em saúde e cuidados sociais, especialmente no Reino Unido, observa-se que a digitalização dos registros pode fortalecer a continuidade do cuidado, a integração entre políticas e a transparência, mas também traz desafios recorrentes: financiamento, infraestrutura de TI, qualificação de equipes, usabilidade de sistemas e governança de dados. O artigo a seguir aprofunda a análise da Resolução CIT nº 29/2025, discute seus desafios reais de implementação e aproxima o debate da experiência internacional, com foco no que isso significa para municípios e para quem atua na consultoria e no fortalecimento da gestão do SUAS. 1. O Prontuário Eletrônico do SUAS: marco regulatório e sentido político A Resolução CIT nº 29/2025 dispõe sobre diretrizes do Prontuário Eletrônico do SUAS, explicitando, logo no art. 1º, sua consonância com a LGPD. No art. 2º, o Prontuário SUAS é definido como direito dos indivíduos e das famílias usuárias do sistema, viabilizado por meio de um sistema autônomo, com finalidade de registro profissional de informações relativas ao conjunto de serviços e benefícios do SUAS. Isso tem implicações importantes: O prontuário não é apenas uma ferramenta administrativa, mas parte do conjunto de garantias de direitos. O registro passa a ser compreendido como dimensão ética e técnica do trabalho social. A unidade pública e a equipe de referência assumem responsabilidade direta pela guarda, confidencialidade e segurança das informações. O art. 3º reconhece que o prontuário contém dados pessoais, incluindo dados pessoais sensíveis, vinculados à finalidade de implementar a política de assistência social, o que exige aderência estrita à LGPD e às salvaguardas de proteção de dados. Já o art. 4º explicita que as informações devem ser utilizadas para assegurar direitos socioassistenciais por meio da vigilância, da gestão, da pesquisa e da execução dos serviços, vedando o tratamento dos dados para fins estranhos à política de assistência social. Em síntese: o Prontuário SUAS é reposicionado como um eixo de integração entre proteção social, gestão qualificada e proteção de dados, com responsabilidade jurídica clara para os entes federativos. 2. O que o Prontuário SUAS é e o que não é A partir da resolução, é possível delimitar com mais precisão o lugar do prontuário no SUAS. 2.1. O que ele é Um direito dos usuários do SUAS, não apenas uma exigência administrativa. Um registro profissional do trabalho social com famílias e indivíduos, preferencialmente em meio eletrônico, que deve refletir a integralidade dos serviços e benefícios utilizados. Uma ferramenta estratégica para vigilância socioassistencial, planejamento, monitoramento e avaliação, se os dados forem coletados e utilizados de forma consistente. Um repositório de dados pessoais sensíveis, protegido pela LGPD, o que implica obrigações legais claras em relação a finalidade, adequação, necessidade, segurança e não discriminação. 2.2. O que ele não deve ser Não é um repositório irrestrito de dados para qualquer uso governamental ou privado. Não é um sistema de vigilância social desvinculado da garantia de direitos. Não é apenas mais uma camada burocrática de registro, sem retorno para o trabalho de ponta. Não é um “banco de dados social” para ser utilizado comercialmente ou para fins de controle que extrapolem o escopo da assistência social. Essa delimitação é central para evitar usos indevidos, como cruzamentos de dados discriminatórios, seleção de beneficiários por critérios não transparentes ou compartilhamento com terceiros sem autorização ou base legal. 3. As diretrizes nucleares da Resolução CIT nº 29/2025 O art. 5º apresenta sete diretrizes que funcionam como roteiro técnico e ético para implementação do prontuário: Integralidade da proteção da pessoa e da família O prontuário deve permitir uma visão articulada da trajetória da família no SUAS, evitando registros fragmentados por serviço. Integralidade do trabalho social O sistema precisa apoiar o trabalho da equipe, permitindo registro qualificado de diagnósticos, planos de acompanhamento, encaminhamentos e resultados. Ampliação de acesso a direitos e proteção social Os dados devem ser usados para identificar lacunas de cobertura e vulnerabilidades, subsidiando ações proativas de busca ativa e proteção. Simplificação e facilitação de registros A lógica de design do sistema precisa considerar a carga de trabalho das equipes e a experiência dos usuários que desejam acessar seus dados. Interoperabilidade com outras políticas públicas O prontuário deve “conversar” com sistemas de saúde, educação, habitação, trabalho e renda, entre outros, usando padrões seguros e respeitando o sigilo. Proteção, privacidade e confidencialidade A resolução reafirma os princípios da LGPD, incluindo minimização de dados, segurança, não discriminação e responsabilização. Acesso diferencial por perfil O acesso deve ser regulado de acordo com cargo, função, unidade e formação, garantindo o princípio do “necessário para o trabalho” e evitando acesso indevido a dados sensíveis. Além disso, o art. 6º lista princípios como autenticidade, centralidade na família e no território, uso ético, transparência, eficiência e melhoria da gestão. 4. Análise crítica: desafios reais de implementação 4.1. Financiamento, infraestrutura e desigualdades federativas A resolução define o “o que” deve ser feito, mas não detalha mecanismos de financiamento nem cronogramas de implementação. Para os municípios, isso se traduz em: Necessidade de investir em equipamentos, conectividade, servidores, segurança cibernética e suporte técnico. Demanda de contratação ou capacitação de equipes de TI. Risco concreto de aprofundar desigualdades entre municípios com forte capacidade técnica e financeira e municípios pequenos, com alta demanda socioassistencial e pouca estrutura. A CNM destaca justamente essa preocupação ao orientar que gestores municipais fiquem atentos às exigências técnicas, de segurança e de guarda dos dados, reforçando a responsabilidade local. 4.2. Interoperabilidade como desafio de governança A diretriz de interoperabilidade é desejável, sobretudo em uma política que depende de articulação com saúde, educação e outras áreas. Porém, internacionalmente, a integração entre sistemas de registros sociais e de saúde tem se mostrado um desafio complexo, envolvendo padronização de dados, contratos com fornecedores, governança multiagência e compatibilidade tecnológica. No caso brasileiro, isso significa: Necessidade de definição de padrões nacionais de dados e APIs. Ajuste de sistemas legados municipais e estaduais. Governança federativa que coordene União, Estados e Municípios em torno de um modelo comum. 4.3. LGPD além do papel: cultura de proteção de dados A resolução está alinhada com a LGPD, mas o desafio é transformar essa aderência legal em cultura institucional. Isso implica: Formação sistemática de equipes do SUAS em proteção de dados, sigilo e uso ético da informação. Revisão de rotinas de atendimento, armazenamento e compartilhamento de dados. Estruturação de mecanismos de auditoria de acesso, registro de logs e resposta a incidentes. Experiências internacionais mostram que a proteção de dados em sistemas de registros eletrônicos depende tanto de tecnologia quanto de políticas claras e treinamento contínuo. 4.4. Qualidade da informação e uso para gestão A resolução cria as condições normativas para uso dos dados na vigilância socioassistencial, mas não garante, por si só, qualidade de informação. Sem: orientações claras sobre padrões mínimos de registro, acompanhamento da completude e consistência dos dados, indicadores de qualidade e uso da informação na gestão, há o risco de que o prontuário se torne mais uma obrigação formal, pouco conectada às decisões de gestão e às estratégias de proteção social. 5. Diálogo com experiências internacionais de prontuários eletrônicos Embora ainda seja limitada a literatura específica sobre prontuários eletrônicos na assistência social, há um conjunto crescente de estudos sobre digitalização de registros em cuidados sociais, especialmente em países que integram saúde e assistência. 5.1. Reino Unido: Digital Social Care Records No Reino Unido, o programa de Digital Social Care Records (DSCR) busca garantir que a maior parte dos serviços de cuidados sociais adultos use registros digitais interoperáveis até 2025. Alguns achados relevantes: Revisões rápidas de evidências apontam benefícios em continuidade do cuidado, compartilhamento seguro de informações, redução de registros duplicados e suporte à tomada de decisão. Ao mesmo tempo, relatórios indicam desafios relacionados à usabilidade dos sistemas, carga de registro para equipes, resistência à mudança e necessidade de apoio intensivo para provedores menores. Um estudo de escopo recente sobre implementação de registros digitais em cuidados sociais adultos destaca a importância de: definir expectativas realistas de benefícios no curto prazo, combinar investimento em tecnologia com investimento em pessoas e processos, adaptar soluções à realidade de serviços pequenos e dispersos. 5.2. Lições gerais para o SUAS Da leitura cruzada dessas experiências, emergem lições que dialogam diretamente com a implementação do Prontuário SUAS: Tecnologia não resolve sozinha Sistemas digitais só produzem ganhos quando vêm acompanhados de revisão de fluxos, treinamento e acompanhamento sistemático. Interoperabilidade exige governança, não apenas integração técnica É preciso clareza sobre quem decide padrões, quem financia integrações e como lidar com conflitos entre fornecedores e órgãos públicos. Capacidade dos pequenos provedores é um ponto sensível No caso brasileiro, isso se projeta nos municípios menores, com estruturas de TI e conectividade mais frágeis, que podem exigir modelos de apoio consorciado ou soluções mais simples, mas seguras. Avaliação é fundamental Evidências internacionais mostram que o impacto real em resultados de cuidado nem sempre é imediato e que falhas de implantação podem gerar frustração ou desconfiança. Essas lições reforçam a ideia de que a Resolução CIT nº 29/2025 é apenas o ponto de partida. A forma como União, Estados, Municípios e organizações da sociedade civil vão conduzir a implantação definirá se o prontuário será uma alavanca de qualificação do SUAS ou apenas mais uma obrigação. 6. Passos práticos para municípios e equipes gestoras Abaixo, um conjunto de passos práticos que podem orientar gestores municipais e equipes que desejam implementar o Prontuário SUAS em coerência com a resolução. 6.1. Diagnóstico de maturidade digital e de governança de dados Mapear equipamentos, conectividade, infraestrutura de TI e softwares já utilizados na rede socioassistencial. Identificar se há política municipal de proteção de dados e se existe pessoa ou unidade responsável pelo tema. Levantar rotinas atuais de registro e uso de informações: quem registra, em que formato, onde guarda, quem acessa. 6.2. Planejamento da solução tecnológica Verificar orientações do MDS sobre solução nacional, requisitos mínimos e padrões de interoperabilidade. Definir se o município adotará solução nacional, estadual, consorciada ou própria. Garantir que o sistema atenda às diretrizes de acesso diferencial, proteção de dados, registro qualificado e relatórios gerenciais. 6.3. Definição de papéis e responsabilidades Nomear uma instância responsável pela governança do prontuário (por exemplo, coordenação de vigilância socioassistencial em diálogo com TI). Atualizar ou elaborar política interna de privacidade e proteção de dados para o SUAS municipal, alinhada à LGPD e à resolução. Formalizar perfis de acesso por função, unidade e serviço. 6.4. Capacitação e acompanhamento das equipes Realizar formações específicas sobre: LGPD aplicada ao SUAS, sigilo profissional no ambiente digital, preenchimento qualificado do prontuário, uso dos dados para planejamento e vigilância. Produzir materiais simples (guias, fluxogramas, modelos de registro) para uso cotidiano das equipes de referência. Acompanhar, nos primeiros meses, dificuldades de uso do sistema e ajustar processos. 6.5. Pilotos, monitoramento e avaliação Iniciar com projetos-piloto em alguns serviços ou territórios, testando fluxos, indicadores e relatórios. Definir indicadores mínimos de acompanhamento, por exemplo: percentual de famílias com prontuário eletrônico ativo, completude dos campos essenciais, tempo médio entre atendimento e registro, número de acessos por perfil, incidentes de segurança registrados e tratados. Revisar periodicamente os resultados, comunicando aprendizados para toda a rede. 6.6. Cooperação intersetorial e federativa Articular com saúde, educação, habitação e outras políticas para planejar, desde cedo, a interoperabilidade, com acordos claros de compartilhamento de dados. Buscar apoio de consórcios, associações municipais e estados para soluções técnicas compartilhadas, especialmente para municípios com menor capacidade de investimento. 7. Limites, incertezas e pontos de atenção Alguns pontos ainda dependem de definição e acompanhamento: A Política Nacional de Privacidade e Proteção de Dados do Prontuário SUAS, a ser regulamentada pelo MDS, será decisiva para detalhar responsabilidades, padrões de segurança e fluxos de compartilhamento. Não há, até o momento, cronograma nacional público com metas graduais de implantação por tipo de município, o que pode gerar ritmos desiguais e incertezas. A experiência internacional mostra que, sem forte investimento em suporte e usabilidade, é comum a percepção de aumento de burocracia para as equipes de ponta, o que pode gerar resistência. A avaliação do impacto do Prontuário SUAS sobre resultados concretos de proteção social ainda dependerá de pesquisas futuras, já que o marco regulatório é recente. Quando essas definições forem publicadas, será importante atualizar diagnósticos, planos municipais e instrumentos de consultoria. 8. Considerações finais A Resolução CIT nº 29/2025 representa um avanço importante no esforço de modernização e qualificação do SUAS, ao colocar o prontuário no centro da relação entre direito à proteção social, gestão baseada em evidências e proteção de dados pessoais. Ao mesmo tempo, a experiência internacional com registros eletrônicos em saúde e cuidados sociais ensina que o sucesso não está garantido apenas pela existência da norma ou da tecnologia. Ele depende de: financiamento adequado, governança consistente, apoio intensivo às equipes na ponta, atenção às desigualdades entre municípios, capacidade de transformar dados em decisões concretas de proteção social. Para consultores, gestores e equipes técnicas, o Prontuário SUAS abre campo para repensar processos, pactuar responsabilidades e construir, de forma gradual, uma cultura de gestão orientada por dados e pelos direitos das famílias. Referências Confederação Nacional de Municípios. Publicada Resolução que define diretrizes do Prontuário Eletrônico do Suas. Portal CNM, 12 nov. 2025. Department of Health and Social Care (UK). A plan for digital health and social care. Government policy paper, 29 jun. 2022. Local Government Association. Implementing digital social care records. Briefing, 2024. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Publicada Resolução CIT nº 29, de 6 de outubro de 2025 – Diretrizes do Prontuário SUAS. Blog Rede SUAS, 16 out. 2025. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Dados do Prontuário SUAS passam a ter mais segurança e transparência com novas diretrizes. Portal gov.br, 10 nov. 2025. The Strategy Unit / NHSX. Benefits of Digital Social Care Records. Relatório técnico, 2022. Noble, J. Choosing an electronic case management system for your organization. New Philanthropy Capital, jan. 2018.
Dois homens gritando um para o outro em megafones; estão em pé sobre uma superfície de tijolos em frente a uma parede de concreto.
Por José Ricardo Mole 8 de novembro de 2025
Resumo O artigo examina o papel fundamental da comunicação interna (CI) nas instituições educacionais (IE), defendendo que falhas estruturais e processuais nessa área constituem um gargalo sistêmico capaz de prejudicar a eficácia administrativa, a coesão pedagógica e o fortalecimento da cultura organizacional. A partir de uma revisão de literatura em comunicação organizacional e gestão educacional, são discutidos os impactos da fragmentação departamental, da comunicação descendente ineficaz e da ausência de canais de feedback ascendente sobre o alinhamento estratégico e o engajamento de docentes e técnicos-administrativos. O texto diagnostica consequências como o enfraquecimento do clima organizacional e a dificuldade de implementação de inovações, além de propor diretrizes para transformar a CI de função operacional em pilar estratégico na gestão da educação. Palavras-chave: Comunicação Interna; Gestão Educacional; Instituição Educacional; Cultura Organizacional; Comunicação Estratégica. 1. Introdução: o silêncio ruidoso nas instituições de ensino As instituições educacionais, sejam de ensino básico ou de assistência social, caracterizam-se por sua complexidade organizacional. Além da gestão de processos e recursos, são centros de produção e disseminação do conhecimento, envolvendo diferentes públicos internos: docentes, educando, discentes, educadores, gestores e técnicos-administrativos. Nesse contexto, a comunicação interna deveria funcionar como sistema nervoso central, alinhando objetivos, coordenando ações e promovendo um significado compartilhado. Contudo, observa-se que a CI é frequentemente relegada a um papel secundário, sendo vista apenas como função operacional e não estratégica (Kunsch, 2003; Welch, 2015). O resultado é um vácuo informacional, preenchido por ruídos, desinformação e boatos (“rádio-corredor”), fatores que prejudicam a inovação, minam a confiança e enfraquecem a missão institucional. Defende-se, neste artigo, que a negligência estratégica da CI é um dos fatores ocultos mais relevantes para a limitação da excelência educacional. 2. A anatomia do gargalo: diagnóstico das patologias comunicacionais 2.1 Insuficiência do fluxo descendente e ruído estratégico O fluxo descendente, que parte da alta gestão para os demais níveis, é frequentemente marcado por opacidade e excesso de burocracia. Decisões estratégicas importantes, como mudanças curriculares ou implantação de novas tecnologias, são comunicadas de forma tardia ou incompleta, favorecendo a proliferação de informações extraoficiais e a ansiedade entre os colaboradores (Rego, 2008). A falta de clareza e de contexto leva à resistência, desalinhamento estratégico e diminuição da confiança, mesmo quando os docentes não discordam das mudanças, mas não compreendem seus fundamentos. 2.2 Bloqueio do fluxo ascendente: a gestão que não escuta Tão prejudicial quanto falhar em informar é falhar em escutar. O fluxo ascendente, que permite que professores e técnicos relatem suas experiências e dificuldades, é fundamental para a inovação e o aprimoramento dos processos. A ausência de canais formais e seguros para feedback, somada à falta de cultura de escuta ativa, faz com que problemas permaneçam ocultos, prejudicando o ajuste institucional (Fauré, 2010). A CI não pode ser apenas difusora de mensagens, mas precisa garantir mecanismos de retorno e envolvimento dos colaboradores. 2.3 Fragmentação horizontal: os silos departamentais A comunicação horizontal, entre departamentos e setores, é frequentemente deficiente nas IE, que operam em “silos” isolados (Argenti, 2006). A falta de integração entre áreas como TI, biblioteca e setores pedagógicos impede a interdisciplinaridade, gera retrabalho e dificulta a experiência educacional integrada. Estruturas hierárquicas e departamentais, segundo estudos de redes organizacionais, impactam negativamente o fluxo de informações. 3. Impactos do gargalo no potencial educacional 3.1 Enfraquecimento da cultura organizacional e do engajamento A cultura organizacional é construída, mantida e transformada pela comunicação (Kunsch, 2003). Quando a CI é ineficaz, missão, visão e valores tornam-se meros discursos, e o engajamento dos colaboradores diminui. Isso resulta em absenteísmo, rotatividade e clima organizacional prejudicado, afetando inclusive a qualidade do ensino. Pesquisas apontam correlação positiva entre CI eficaz, satisfação e comprometimento organizacional. 3.2 Prejuízo à qualidade e inovação pedagógica Projetos pedagógicos inovadores dependem de coordenação, treinamento e alinhamento. O gargalo na CI dificulta a implementação de novas metodologias, pois falta entendimento comum e clareza sobre o suporte disponível. Estudos recentes mostram que os canais e estratégias de CI ainda são insuficientes diante dos desafios de inovação nas IE. 3.3 Ineficiência administrativa e desperdício de recursos No âmbito administrativo, a comunicação interna ineficaz resulta em lentidão, erros, retrabalho e desperdício de recursos. Falta de clareza em procedimentos consome tempo de docentes e técnicos, prejudicando atividades-fim e a agilidade institucional (Jakubiec, 2019). 4. Rompendo o gargalo: a comunicação como pilar estratégico Superar o gargalo comunicacional exige ressignificar a CI como função estratégica. Recomenda-se: Diagnóstico e planejamento integrado: realizar auditoria da CI para mapear fluxos, ruídos e canais preferidos, integrando a comunicação ao planejamento estratégico (PPP, PDI). Liderança comunicativa: capacitar gestores como comunicadores, promovendo transparência e canais diretos de diálogo (reuniões, comunicados claros, eventos de aproximação). Canais múltiplos e escuta ativa: utilizar ferramentas digitais e presenciais, criar canais de feedback (pesquisas de clima, ouvidoria, fóruns) e incentivar a participação dos colaboradores. Foco na integração horizontal: promover comitês interdisciplinares, projetos colaborativos e plataformas que facilitem o contato entre setores. Avaliação contínua e feedback: estabelecer indicadores de eficácia, monitorar e ajustar periodicamente as estratégias de CI, valorizando dimensões como confiança e transparência. 5. Conclusão Instituições educacionais que falham em comunicar-se internamente dificilmente conseguem transmitir valor externamente. A comunicação interna deficiente é um gargalo silencioso, porém corrosivo, que compromete o alinhamento estratégico, o capital humano e a capacidade de inovar. Investir em CI é investir diretamente na qualidade pedagógica e na saúde organizacional, promovendo uma comunidade de aprendizagem integrada, engajada e alinhada ao propósito institucional.  Referências Barros, F. R. de; Lima, H. da C. G.; Oliveira, J. V. F. de; Faustino, L. R.; Muglia, T. B. (2024). Institutional communication strategies in higher education institutions: a systematic literature review. Educationis, v.12 n.2. Aziz, F. R.; Kowiyanto, K.; Hasdiana, H. (2025). Internal Communication in Building a Positive Corporate Culture. INJOSEDU. Hussein, Q. (2025). Employee Satisfaction with Internal Communication in Higher Education: A study of Al-Istiqlal University. Dibon Journal of Education, 1(2). Silva Noro, C. A.; Cruz, C. M. L.; Kleber, A. E. (2024). Organizational communication in higher education institutions: An analysis of benefits and challenges in a systematic literature review. Welch, M. (2015). Internal communication education: A historical study. Journal of Communication Management, 19(4). Salmond, T.; Salamondra, T. (2022). Effective Communication in Schools. (PDF).